Responsável pela difusão de lemas como liberdade, igualdade e fraternidade, a Revolução Francesa, de 1789, foi uma resposta da população aos abusos da nobreza. Naquela época, a França era um país empobrecido pelas guerras e, enquanto os trabalhadores e seus filhos iam para a cama com as barrigas roncando, o rei e seu séquito empanturravam-se nos palácios. A corte, o clero, os donos de terra, os banqueiros e os altos funcionários públicos não eram alcançados pelos longos e magros braços da fome. Natural que, num ambiente assim, as pessoas se revoltem.
Curiosamente, foi a rainha, e não o rei, que teve sua imagem transformada em símbolo da exploração. Maria Antonieta, a austríaca que havia se casado aos 14 anos com o herdeiro do trono, o futuro Luiz XVI, não era nada simpática. Além de estrangeira, oriunda da Áustria, um país contra o qual os franceses já haviam guerreado várias vezes, ela dava festas de arromba e desfilava coberta de jóias. Os jornalistas a apelidaram de “Madame Déficit” e, ao descreverem seus eventos extravagantes, deram à população um rosto para odiar.
Sua Majestade não tinha a menor noção do que ocorria fora dos muros do Palácio. Certa feita, depois de um “passeio” nos arredores de Paris, ela teria perguntado a um servo por que as pessoas reclamavam tanto. A resposta foi rápida: “porque sentem fome e não têm pão”. A monarca viajou: “Então, que comam brioches”.
Os brioches consumidos na corte francesa não eram exatamente como os que estamos acostumados a encontrar na padaria da esquina hoje. Produzidos com farinha, fermento, manteiga, leite e ovos, eram muito mais caros do que o pão, um item mais simples e rudimentar da cesta básica. Se a plebe não tinha nem o básico, imaginem o resto.
Há dúvidas de que a história aconteceu de fato. Possivelmente foi apenas uma fake news (elas existiam no século XVIII). A frase dos brioches já havia sido citada dez anos antes da Revolução, no livro “Confissões”, do filósofo Jean-Jacques Rousseau. No texto, o autor a atribuiu a uma princesa, sem citar nomes, que a teria pronunciado ao ver que seu povo tinha fome. Responsável ou não pela absurda declaração, Maria Antonieta perdeu a cabeça na guilhotina, em 1793, muito por causa disso.
Lembrei-me dessa história ao ouvir os áudios com as reclamações de um procurador do Ministério Público de Minas Gerais descontente com seu salário de… R$ 24 mil. Durante uma reunião para discussão da proposta orçamentária daquele estado para 2020, ele demonstrou toda sua insatisfação com este “miserê”. “Como é que o cara vai viver com R$ 24 mil? O que de fato nós vamos fazer para melhorar a nossa remuneração?, questionou.
Exaltado, o procurador disse que reduziu as despesas mensais com cartão de crédito de R$ 20 mil para R$ 8 mil. “Eu e vários outros já estamos vivendo à base de comprimido, à base de antidepressivo”, reforçou o queixoso. E aí, veio a cereja do bolo: “Eu, infelizmente, não tenho origem humilde. Não sou acostumado com tanta limitação”.
Óbvio que as declarações não representam toda a categoria, mas é verdade que existe, na política e em alguns segmentos do serviço público, uma casta que não sente as limitações experimentadas pelo “resto”. A grande massa paga aluguel, toma ônibus e vive com pouco mais de um salário mínimo. Isso quando tem emprego. Muitos estariam passando fome se não fossem os programas oficiais que tanto criticam. Há Marias Antonietas demais por aí, reclamando de barriga cheia, sem a mínima noção da realidade. Cuidado com as cabeças!