Nos primeiros anos da década de oitenta, juntamente com outras crianças, eu iniciava as aulas de preparação para a primeira eucaristia.
A catequese era ministrada, sabiamente, pela Irmã Maria Enilda Dambroz. Uma figura ímpar. Vestido azul, sapato preto, casaquinho de lã em tom nunca igual ao do vestido. Um véu preto de borda branca a cobrir-lhe os curtos cabelos grisalhos. Sua baixa estatura dava à corrente e ao crucifixo prateado, que carregava ao pescoço, a impressão de serem muito maiores que o tamanho real.
Na época, para uma criança de oito ou nove anos, era tão mais simpático ficar pintando as figurinhas do livro catequético do que a compreensão de toda aquela simbologia. No entanto, havia algo que sempre fazia mais sentido. Não eram momentos sobre religião, eram sobre a vida.
Estávamos aprendendo sobre os dez mandamentos. Entender cada um deles, decorar na ordem certa. Confesso, nunca decorei. Foi tão melhor chegar às aulas sobre o Novo Testamento e descobrir que Jesus tinha “trocado” toda aquela parafernália de dez por apenas dois. Fazia muito mais sentido.
Falando em sentido, algo que nunca encontrou um, foi me dar conta que uma das histórias mais encantadoras da bíblia não fazia parte dos mandamentos.
Talvez, este seja um dos grandes motivos pelos quais o mundo ande “meio atravessado”, de as coisas não terem muito sentido. Motivo pela falta de respeito, falta de compreensão, e por aí vai.
Naquele dia, a Irmã tinha um sorriso especial, ao nos contar aquela passagem do evangelista Mateus. Lembro da sua voz diminuindo durante a frase, até um grande ponto de interrogação ficar no ar. Depois, seu sorriso afetuoso percorria a sala em silêncio, olhando profundamente para cada um de nós.
Aquela pergunta ecoa até hoje: “É certo reparar no cisco que está no olho do nosso irmãozinho, e não cuidar do galho que está no nosso próprio olho?”
Desde então, não deixo de responder a esta pergunta, todas as vezes que percebo algo de errado vindo do outro ou, quando tenho a tendência a sair apontando “ciscos”. Não é fácil! Mas teria sido muito pior, não fosse pela forma repleta de “sabedoria de alma” com a qual aquela pergunta foi feita… lá na década de oitenta.
A verdadeira observação leva à transformação de atitudes, não ao discurso vazio da reclamação e apontamento de erros.
A Irmã dizia: “Quem ama muda”. Nunca é questão de mudar o outro.
Já enxergou um “cisco” no olho de algum “irmãozinho” hoje? Você pode estar olhando para o lado errado.
Paz e bem!