Aos poucos, ele foi recuperando a consciência. Tentou mexer os dedos das mãos. Um, dois, alguns leves movimentos. Não podia ter certeza se os dedos dos pés respondiam ao seus comandos. Percebeu a enfermeira gesticulando à sua frente, o leito no qual estava sentado. O vulto embaralhado, da mulher sentada em uma cadeira no canto do quarto, foi tomando forma até revelar-lhe a imagem da sua esposa.
Uma dor aguda e repentina em sua cabeça. Um silêncio escurecido. Confusão.
Enquanto outro enfermeiro o auxiliava e conduzia, numa cadeira de rodas, até o saguão do hospital, nenhuma palavra foi ouvida. O balanço causado pelas rodas levemente ovaladas, faziam-no sentir as batidas do coração em um tom seco e compassado.
Entraram em silêncio, no taxi que os aguardava. Não entendia muito bem o motivo de não estarem utilizando seu próprio carro.
Um taxista tagarela falava sobre o tempo, o temporal do início da madrugada, sobre o motorista alcoolizado que atropelara uma mãe e seus dois filhos pequenos, no ponto de ônibus, na noite anterior.
Então, pode perceber as lágrimas que lavavam o rosto da sua esposa. Por um segundo, sentiu-se perdido em um vazio angustiante. Mais algum tempo e foi cercado pela vergonha, encurralado pela incerteza, sorrateiramente observado pela falta de memória da noite passada.
Teve seus pensamentos interrompidos pelo motorista falador que anunciava o final da corrida.
Ao descer, em frente à sua casa, viu a parada de ônibus retorcida. Mais alguns passos e encontrou o carro amassado.Lembrou-se da história do taxista, do choro da esposa e do quanto bebera na festa do escritório na noite anterior.
Um olhar fixo e longínquo conduziu sua lembrança até o momento no qual poderia ter recusado a “última dose”. Uma gigantesca sombra de culpa acusou-o por todas as vezes que a sua alegria genuína se transformava em longos e inflamados discursos etílicos. Percebeu o quão distante estavam seus breves momentos de glória dos seus dias de rotineira insignificância.
Desolado, recorreu ao jornal que estava sobre a mesa. Na capa, a foto mostrava seu carro, a parada de ônibus, o outro veículo. As letras “garrafais”, denunciavam e esclareciam: “Motorista alcoolizado causa tragédia no centro”.
Sua esposa o abraçou e choraram juntos. Um misto de alegria e alívio por ser ela que estava ao volante. Pela habilidade que teve em desviar, alguns segundos antes, do veículo que avançava de forma descontrolada na sua direção. Este sim, conduzido por um motorista embriagado.
Paz e bem !