São tempos sombrios, estes que nos rodeiam. Começamos o ano com a esperança muito maior do que as certezas e ela vem se esvaindo aos poucos. Pouco mais de dois meses e não conseguimos, ainda, viver nossos dias sem sentir as tragédias que nos rodeiam e que parecem engolir tudo que há de bom a nossa volta.
Deixamos nossas dores particulares de lado ao nos colocarmos no lugar das famílias que perderam entes queridos soterrados em rejeitos. Sofremos por eles e pelos sonhos que morreram com eles. Sofremos pelos animais que agonizaram em meio à lama. Sofremos pelo rio Paraopeba, por sua morte, por um ecossistema que nunca mais será o mesmo. Sofremos pela impunidade com a qual estamos acostumados, e com ela também nos revoltamos, mais uma vez. Perdemos o chão em Brumadinho.
Choveu, e a mesma chuva que tantas vezes foi alento e em tantos lugares é preciosa como ouro, veio com tanta força que ceifou vidas. A natureza não manda avisos, ela acontece e, no Rio, choramos mais uma vez. Um temporal que carregou mais que água, terra, árvores, fios e carros. Carregou a felicidade de famílias inteiras; mais um pouco da nossa esperança. E olhar o descaso do investimento público em prevenção fez doer ainda mais, porque… ah, é ela mesma, a negligência, mostrando que a vida do brasileiro vale menos que um punhado de reais.
Ainda no Rio, crianças e seus sonhos foram asfixiados e queimados em um incêndio fulminante. Meninos que abdicaram de parte da sua infância e adolescência para seguir um caminho para poucos, embora sonho de muitos. Crianças que não tinham culpa de nada, não tinham feito nada errado, e confiaram seu futuro a um dos maiores clubes do Brasil. Clube que não podia alojar os guris naquele lugar porque ali não era para existir um alojamento. Negligência paga com dez vidas e a dor de famílias que choram por suas crianças.
Boechat levou consigo, dias depois, parte do resto de esperança que tínhamos nesse ano. Uma das vozes mais lúcidas e críticas do jornalismo atual, e tanto precisamos dessa voz nesse período conturbado da história! Que falta fará sua visão política nesse caos que vivemos.
Em Montenegro, acidentes levando vidas jovens; futuros inteiros que se desenhavam no tempo e não acontecerão. Em Triunfo, mais assassinatos do que podemos contar na mão. Nos fazem pensar para onde caminha nossa sociedade; a resposta parece ruim.
Famílias destroçadas: em Minas, no Rio, em São Paulo, no Rio Grande do Sul e em todos os estados, em que tragédias semelhantes acontecem e, somadas, nos desesperam e nos consternam. Essas perdas nos reforçam uma ideia que, com o passar dos dias, deixamos de lado: a vida é efêmera e devemos demonstrar o que sentimos agora, já. Num piscar de olhos, tudo acaba, a luz se apaga e a vida tem de seguir para quem ficou. Ainda que mais triste, ainda que doa.
O ano recém começou, já levou muito de nós, da nossa fauna, flora, da nossa coragem, e ainda não sabemos o que está por vir. Vidas inocentes foram interrompidas precocemente e isso jamais será normal.
Conforto para as famílias, e que o tempo lhes traga paz e discernimento para lidar com a dor. E que nossa dor e indignação coletiva guiem o Brasil para a responsabilização do que houve de errado e prevenção de novas tragédias anunciadas.
Vidas futuras são poupadas por ações tomadas hoje; o hoje é tudo o que temos para mudar o mundo.
Ana Clara Stiehl
Cronista