Como se fosse primavera

Para sermos primavera, antes precisamos ser todas as outras estações.Todas as estações chegam a seu próprio tempo e a primavera, quando chega, ah, como é linda! Mais que linda, transforma, revoluciona.

Acordar como planta que floresce. Ser alimento do corpo e da alma do restante da natureza. Ser ponto de encontro, agregar as mais diversas criaturas. Perfumar a vida e os campos e os amores com o cheiro do desabrochar. Encher os olhos e a mente e a imaginação de quem mais que olha: vê. Fertilizar o solo, fertilizar o tempo, para que deles nasçam coisas maiores do que nós, maiores que a própria primavera.

Mas antes de florir, sofremos com a seca, raios de sol rasgando nossa pele, pétalas. E coragem, porque tem mais; quando é que na vida não há mais? Depois, os dias vão escurecendo e muito do que é bonito em nós some, como as folhas que caem. É o outono, dentro e fora; a destruição necessária e cíclica para o próximo renascimento.

O orvalho que cai começa a ser frio e corta, queima. Mas é no inverno que percebemos como somos capazes de sobreviver ao mais árduo tempo. Os danos nos levam a quase sucumbir, mas não nos levam, não. E não levam as flores, não levam o verde, não levam a vida embora. Fazem parte de tudo isso, mesmo que doa, doa a quem doer, e vai doer. Inverno pode ser a hora de aconchegar-se em seus próprios braços em busca de alento, calor, força. Inverno é autoconhecimento.

Dói secar em pleno verão ou perder as folhas, ficar nu diante das intempéries, no outono. As geadas invernais agoniam; sobretudo, viver traz consigo sofrimento. Mas florescer não é a beleza por trás disso tudo? A bonança depois de todas as tempestades? Descobrir sobre a gente mesmo e nossos papéis nesse tempo não são as únicas coisas que podemos, de fato, saber?

O verão é necessário; nele é que se cresce. No outono se renovam as estruturas para o que está por vir. O inverno é a prova de fogo; mostra o tamanho da força que se carrega dentro de um pequeno punhado de células. O potencial. A vida. Que loucura pensar que fazemos tudo o que fazemos para, no fim, florirmos na primavera dentro de nós. Para encontrarmos nosso lugar no mundo.

Acordar florescendo exige do corpo e da alma. Para todo o sofrimento nascerá uma pétala, uma hora dessas. Para ser primavera, é preciso ser todas as estações, antes, durante e depois. Não há vergonha em sofrer, em chorar; é inevitável. Florir é preciso, perder as flores também é. Espero que as primaveras sejam maiores. Não podemos estendê-las no tempo, mas podemos estendê-las por dentro, quem sabe, abrindo as suas janelas. Acho que, de certa forma, basta.

Que as flores sejam maiores que as dores. Que os jardins floresçam sempre como se fosse primavera. Mas se não florescerem agora, tudo bem, ventos e brisas levam e trazem tudo o tempo todo; as chuvas preparam o terreno para o que está por vir. A gente tem que tratar de plantar. Desejo que tudo que tu plantes, floresça; desejo que, para tudo que tu plantes, seja primavera.

Ana Clara Stiehl
Cronista

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