As manifestações que reuniram milhares de mulheres em várias cidades dos Estados Unidos, no dia 21 de janeiro deste ano, foram instigadas basicamente por uma das frases mais bizarras proferidas por Donald Trump (e foram muitas): “quando você é uma estrela, [as mulheres] deixam você fazer o que quiser. Você pode agarrá-las pela pussy (órgão genital feminino, no inglês vulgar)”. Como homem, fiquei pensando como esse tipo de ideia se constrói em alguns cérebros masculinos ainda hoje.
A longa marcha das mulheres deve ter uns 6 mil anos, quando o homem agregou à propriedade da terra a necessidade de transferi-la para seu herdeiro. Para isso, transformou o corpo da mulher em seu. Em algum lugar do Código de Hamurabi (leis que foram escritas aproximadamente em 1772 a.C.) a mulher, cujo marido desconfiasse que ela o tivesse traído, deveria ser amarrada e jogada ao rio. Se sobrevivesse, é porque era inocente. Os homens tinham que ter certeza da exclusividade do corpo da mulher. Assim, o dote transferia a posse do corpo das mulheres do pai ao marido. Na Roma Antiga, conta-se que esposas chegaram a fazer greve de sexo para obterem a transferência de sua posse para o pai, de forma que, se o marido as maltratasse, elas poderiam retornar para a casa paterna.
Durante a Idade Média, a situação foi agravada pela questão religiosa. As mulheres que procuravam algum tipo de empoderamento eram tidas como bruxas e foram vistas seguidamente como culpadas pelo pecado original, e, por conseguinte, pelos pecados masculinos. Até hoje essa lógica persiste: o corpo da mulher instiga o homem ao sexo, é necessário que ela o cubra. No livro de Thomas Mann “Doutor Fausto”, através de um personagem, o autor informa a etimologia da palavra “femina”, que, originária do latim, é composta de “fides” e “minus”, e, portanto, indicava que as mulheres tinham “menos fé”.
Durante as duas guerras mundiais do século XX, os homens foram servir de bucha de canhão e as mulheres passaram a ocupar mais postos de trabalho nas fábricas. Porém, foi na década de 1960, com o advento da pílula, que elas começaram a determinar a quantidade de filhos que queriam ter. Desta forma, com menos filhos, ou sem eles, tiveram mais tempo disponível e abriram espaços nas escolas e universidades, dando, assim, um salto sem precedentes na luta e conquista de direitos.
Sei, temos educado nossos filhos (meninos) deste modo há 6 mil anos e é difícil ensinar que o corpo das mulheres não lhes pertence, mas é necessário. Urge que os pais digam a seus filhos que, quando uma menina diz não, é não. É preciso que os meninos aprendam desde cedo a serem solidários, lavando a louça, arrumando a casa, para que, quando crescerem, saibam cuidar dos filhos.
Dizem que o presidente dos Estados Unidos costuma ser o homem mais poderoso do mundo, mas as multidões de mulheres com seus gorros rosa estão dizendo o contrário: o presidente não pode, não, os homens não podem.
Sim, nós não podemos!
Rodrigo Dias
Professor