Lembro que se comemorava com certo entusiasmo o Dia do Índio. Fazíamos cocares, pintávamos o rosto e algumas crianças levavam arcos e flechas para a escola. Sempre tinha uma mãe recomendando: “Não vai me furar o olho de alguém com isso, guri”. Não tenho registro de coleguinhas nem profes com olhos furados, presumo que tenha dado tudo certo. Hoje o índio é tão minoria que até a comemoração é pequena.
Eram poucas as datas de minorias naqueles tempos. Tinha também o dia de Zumbi dos Palmares que virou o Dia Nacional da Consciência Negra. Engraçado que não lembro de ninguém se pintando de preto neste dia como se pintavam de índios. Devia ser por uma questão de higiene, daria muito trabalho tirar toda aquela tinta. As datas patrióticas e as religiosas eram maioria.
A democracia, a evolução das comunicações, as novelas e a internet, aos poucos foram dando vozes a grupos antes mantidos em seus armários. Um a um, foram ganhando seus espaços e chamando a atenção para suas causas. Muito justo e caminho natural de uma sociedade que pretende se humanizar e evoluir com todos os matizes que a compõem. O objetivo principal de ter um dia especial e seus movimentos é promover a reflexão, estimular discussões, eliminar preconceitos e trazer temas à luz.
Fico pensando se não está na hora de termos o dia dos Sem Orgulho, pois ultimamente ele anda na contramão das tendências. Voltando pro armário enquanto outras causas estão saindo.
Todos os dias, o coitado leva socos de escândalos, tapas de privilegiados e cusparada de autoridades. O orgulho liga a TV, uma porrada; abre o jornal, um chute nas partes; liga o rádio, bullying; redes sociais é espancamento coletivo.
O dia dos Sem Orgulho poderia promover pequenos grupos de desapoio, se encontrariam dentro de seus armários e trocariam experiências, insultos e desconforto psicológico.
É fácil ser um Sem Orgulho, dá bem menos trabalho do que participar de outros grupos. Não precisa fazer nada, é só se encolher num canto e chorar.
Baixinho, porque se alguém ouvir o Sem Orgulho chorar já vai rotulá-lo e colocá-lo no grupo dos Coitadinhos. O Sem Orgulho não quer participar de mais nada, a sua causa já o consome. Os Sem Orgulho marcariam uma grande manifestação no seu dia, mas nenhum integrante compareceria. Depois exibiriam (sem orgulho e timidamente), fotos de ruas vazias na redes para provar o sucesso do evento. O dia dos Sem Orgulho tem que ser muito bem escolhido, não pode ser uma data que os valorize, mas que os deprecie. Quanto mais para o fundo do poço, mais confortável. O Sem Orgulho não quer assistir a sociedade apodrecer, ele quer apodrecer sozinho. Começo a gostar da ideia de criar esta data. Tem que ser o dia certo, pode ser primeiro de abril, acho apropriado.