E daí?

Está difícil de acordar bem cedo, ver o dia amanhecer e escrever uma coisa bacana. Até o café parece perder o efeito. Olho pela janela e aparenta tudo normal, mas sei que está lá, se espalhando, a epidemia ignorante.
Eu já olhei para a ignorância com candura e esperança, como olho para uma folha em branco pedindo conteúdo. A ignorância sempre me pareceu pedir algo, com humildade e curiosidade tímida. Foi e é assim que vou convivendo com as minhas, transformando-as em algo, dando de comer a elas, porque ignorância é uma espécie de fome. Podemos até nos acostumar com a fome ou dar alimento ruim, embuchar para não doer, e assim, definha-se.
Tenho visto prosperar uma ignorância violenta, ressentida, refratária e orgulhosa. Quando se tem orgulho da ignorância tudo está perdido. A ignorância orgulhosa é cabresto, é terceirizar o pensamento é a fuga da pesquisa, do aprender, do questionar. Ela é um ópio que não causa um conforto pela inação, mas uma excitação por fazer parte de uma grande e altaneira comunidade ignóbil. Ignorar é a nova verdade, simplificar é nova solução, distorcer é a nova lógica.
A ignorância orgulhosa se espalha através de ídolos. Macaco vê, macaco faz. E ela se vê como esperta, sabe que não é sábia, pois se depara com vários assuntos que não entende e não processa, mas ser sábio é coisa fora de moda, é para pedantes. Ser esperto, estar ligado nas mais novas conspirações é o novo sábio.
A dialética da ignorância orgulhosa é o meme, a lacrada, aquela comparação falsamente simétrica que lembra a lógica. A argumentação da ignorância ufana para justificar seus erros evidentes é “o outro também fez” , “antes estava pior”, “pelo menos não isso, pelo menos não aquilo”. Está ruim mas está bom é o novo vamos aprender com nossos erros. A incapacidade de autocrítica, tão criticada nos outros, é adicionada de novos temperos e comida com avidez. Nada como um bom prato requentado.
E o medo? Não falei dele. Este medo paranóico dos conspiradores, grupelhos, súcias ideológicas, organizações sombrias, revolucionários com poderes fantasmagóricos. Há uma conspiração eterna contra os bons, desde que Caim cedeu ao ciúme. No sábio, o medo induz à cautelosa investigação. No ignorante, o medo demanda que se cerrem todas as portas e janelas. No ignorante orgulhoso, o medo os agrupa para atirarem pedras a esmo no escuro.
Tem sido difícil escrever coisas bacanas e divertidas. E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Sou cronista, não palestrante motivacional.

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