A guerra do sono

Quando tenho tarefas a criar ou textos a escrever e durmo no dia anterior ao prazo, sem a mínima ideia do que fazer na manhã seguinte, vem aquele sonho da madrugada. O sonho paranóico maldito. É uma luta entre dois exércitos da mente, um comandado pelo general Sensato Lícitus e outro conduzido por Límbucus, o libertino. Cada qual quer impor sua vontade, um com valores na retidão, na honra e no compromisso e outro que é puro instinto, prazer, liberdade. Um exército luta para me acordar e finalizar as tarefas bem antes do prazo mortal, outro defende os portais do sono e da preguiça até o último neurônio reptiliano.
Esse embate cria cenas de caos, paranóia, a antevisão de um dia caótico em que tudo irá ruir dramaticamente. Em alguns momentos, Sensato Lícitus avança com uma legião organizada e coesa, é quando quase acordo. Mas os limbicunianos são loucos e inconsequentes, atiram-se sobre lanças e espadas como Kamikazes selvagens, fazem um forte cerco em volta da acuada preguiça. É quando viro para o lado, me ajeito e penso: “Só mais quinze minutos, vai dar tudo certo.”
Essa luta inglória me insere, como coadjuvante, em cenas dantescas, com relógios-monstros tentando me  engolir, clientes-machados cortando-me as mãos, turbas de bárbaros e soldados me atropelando as ideias. Esse é o momento em que me irrito, e acordo.
Então levanto, escovo os dentes, passo um café e ponho-me ao computador para iniciar os trabalhos antes que o mundo fique muito agitado e aconteça o caos antevisto.
Isso acontece também com as grandes e médias, até com as pequenas, decisões que teremos que tomar e as levamos para a cama. Boletos a vencer e vencidos, promessas feitas, compromissos assumidos. Todos são péssimos parceiros de cama. Travesseiro tem que ser leve.
Nessas batalhas épicas entre compromisso e liberdade, quem se ferra é sempre o merecido descanso.
Tenho amenizado essa situação antecipando esboços, anotando fragmentos de ideias, não deixando escapar nada que venha à cabeça e que possa ser aproveitável – outra forma de paranóia – mas tem funcionado. Este texto é resultado de um fragmento anotado nem sei onde nem sei quando. É uma caderneta de poupança de ideias.
Para o caso dos boletos, compromissos e decisões, também vale a técnica da poupança, de dinheiro, de organização, de argumentos. O problema é que, muitas vezes, a Preguiça que foi traumatizada na guerra lá do sono, vem se aninhar no nosso dia acordado. Tem que melhorar isso daí, tá ok?
Nunca aconteceu o dia caótico com tudo ruindo, sempre houve um modo de criar, resolver, ajustar, num prazo razoável. Na maioria das vezes, bem antes do prazo mortal. Minha mente, em sono, é paranóico-criativa. Devo ficar de olho nela, mas também não devo repreender de todo essa mania. Vai que um dia ela relaxe e o caos saia do sono e invada meu dia.

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