Minha saudosa mãe, a dona JU, não tinha estudo. Mal e mal terminou o Ensino Fundamental. Sabia ler e escrever, mas não passou muito disso. Dedicou sua vida a cuidar dos seis filhos e do meu pai. Decidiu ser dona de casa. E educar os filhos.
Mas tinha uma sabedoria que só a vida pode dar. Aconselhava a todos e era aquela que fazia a família manter-se unida. Os irmãos a procuravam, os sobrinhos vinham visitá-la e os filhos, mesmo já crescidos e com suas próprias famílias, não passavam uma semana sem ir ouvir seus conselhos e receber seus afagos. Era algo nato, não se aprende isso nos livros. Cultiva-se, mantém-se e exercita-se.
Meus irmãos achavam que ela me protegia, pois sempre que eu chegava a sua casa, ela prontamente corria para fazer um cafezinho e, caso estivesse cozinhando uma galinhada, também fazia um revirado com ovo frito, pois de galinha ela sabia que eu não gostava, mas adorava ovo frito. Gostos. Vá entender. Há quem goste de chuchu que, para mim, é o quarto estado da água.
Mas voltando a minha mãe, como morávamos no sopé do morro São João e éramos todos apenas crianças, ela nunca deixava que fôssemos sozinhos para a mata. Mesmo quando precisava ir à cisterna, que ficava em meio às árvores, já subindo a montanha e abaixo da antiga pedreira. A cisterna abastecia de água potável nossa casa. Era uma escavação na pedra de onde brotava uma água limpa, cristalina e gelada, que era canalizada até nossa casa.
Às vezes, a tubulação obstruía com as folhas que caíam das arvores e faltava água. Então era preciso ir lá realizar a limpeza para voltarmos a ser abastecidos com o líquido precioso, mas ela nunca deixava as crianças ficarem longe do olhar dela.
Também estava sempre ensinando e dando conselhos, eis alguns que ainda lembro:
Respeitem seus professores. Se chegar reclamação, já sabem. O “já sabem” era uma surra de cinta ou alguns puxões de orelha para aprender a obedecer. Hoje tudo está mudado: os pais vão à escola reclamar que “a profe gritou com meu anjinho” e os filhos é que batem nos pais.
Criança não se mete em conversa de adulto. Se intrometer, já sabem. Hoje as crianças não apenas se intrometem nas conversas como corrigem os adultos.
Cuidado com a mata. Tem muito bicho e bicho é traiçoeiro. Ela queria dizer o simples: que animal, mesmo domesticado, às vezes continua sendo selvagem e pode, pelo instinto, atacar as pessoas. Talvez tenha sido um conselho desses que faltou ao seu Jorge, o caseiro de 60 anos atacado e devorado por uma onça pintada em Mato Grosso do Sul.
O animal rondava a casa do seu Jorge fazia tempo, ele já conhecia a pintada, se acostumou com a presença, com sua aparente docilidade e esqueceu que, para um animal, com fome até o “dono” pode virar almoço. A culpa não é da onça. É nossa, que cada vez mais invadimos seu espaço.
Mas bichos são traiçoeiros, como dizia dona Ju, que hoje seria cancelada pela turma da causa animal.
Concordo um pouco com ela, apenas discordo que sejam traiçoeiros, eles são apenas bichos e devem ser tratados como tais. Respeitando seus espaços e seus instintos, pois podem ser perigosos. Preservamos uma onça e perdemos um humano.