O tapa que deu Will Smith no rosto do comediante Chris Rock, durante cerimônia de entrega do Oscar, suscita mais discussões e espanto do que as atrocidades que estão sendo cometidas na Ucrânia pelo exército Russo.
Dos pacifistas de cadeira de praia aos advogados do direito de expressão sem limites, todos se dispõem a opinar e tomar posição a favor ou contra um e outro.
A piada feita pelo comediante a respeito da calvície da mulher do ator deveria ser aceita como obra da liberdade de expressão e, por isso, inofensiva, ou poderia mexer com os brios de um marido que vê sua esposa ser alvo das piadinhas do humorista desde os anos noventa, principalmente por ser uma ativista dos direitos das mulheres, especialmente das negras? A expressão do rosto de Jada Smith quando ouviu a piada, foi aquela que todos fazemos quando a coisa já não é novidade: puta que o pariu! De novo? Yep, desde 1997 Chris Rock faz graça com a senhora Will Smith. Quando Jada avisou que boicotaria o Oscar por ser um evento “muito branco”, Rock fez pilhéria: Não foi convidada!
Ao respirar profundamente pelas narinas com a boca cerrada, o que Jada demonstrou foi estar farta de ser motivo de piada para Chris Rock. Foi então que o marido, que ria até um segundo antes, percebendo a expressão da mulher, resolveu justiçar o comediante com um humilhante tapa na cara. “Mantenha o nome de minha esposa fora desta boca f*dida!”
A reação de Smith demonstrou desequilíbrio do ator? Smith é um homem violento? Teria enganado seu público ao esconder quem de fato é, um homem dado a atacar fisicamente aos que, eventualmente, lhe ofendam?
E Chris Rock? E Porta dos Fundos? E Danilo Gentili? Têm o direito de, em nome da liberdade de expressão, e sem se importar com suscetibilidades feridas, fazer troça com as pessoas ou grupos de pessoas?
A importância que deveras têm discussões como tal, quando envolvem famosos hollywoodianos, é atirada aos programas e podcasts de fofocas televisivas e pode parecer apenas mais uma historinha de flagrantes da vida real, em que artistas são desnudados aos que se interessam por voyeurismo.
O programa Fantástico da Rede Globo buscou um viés que não existiu no episódio: racismo. Um affair entre pessoas negras, exclusivamente pessoal, não pode ser um episódio de racismo. A Globo buscou contar histórias de mulheres pretas que sofreram preconceito desde a infância pelos cabelos afro, encaracolados e crespos. Chris Rock tem história de ensinar à filha como aceitar seus cabelos característicos da etnia africana e de como mantê-los lindos e naturais. Chris tentou ridicularizar a calva de Jada, por não saber tratar-se de alopecia, a doença autoimune que causa perda de cabelo, conforme justificou entre amigos.
Como fazer-nos juízes do caso Smith versus Rock? Somente se pudéssemos entrar nos sapatos deles. Percebo que a maioria condena a brincadeira do comediante apresentador do Oscar. E não menos gente condena a reação de Smith. Como se nos comportássemos sempre como a coroa britânica, insensíveis e protocolares, com menos expressão facial do que aqueles que exageram no uso de botox. Como se nunca proferíssemos ofensas e como se nunca sentíssemos a compulsão de esbofetear alguém.
Will Smith será punido pela Academia do Oscar. Chris Rock passará como vítima.
A diferença, socorram-me os juris consultos, é que Smith cometeu injúria real contra a injúria pronunciada pelo Chris.
Ambas ferem a honra e a moral de a quem forem dirigidas.