Mater Ex Plastica

Outro dia, diante de uma vitrine numa galeria qualquer, detive-me diante daquilo que parecia a ala neonatal de um hospital. Lá estavam elas, envoltas em cobertas de plush, com cílios longos e feições de quem ainda nem entendeu o mundo: bebês. Mas não eram bebês, bebês! Eram bebês reborn, bonecas hiper-realistas que dormem com a placidez dos gatinhos, mas que não emitem nenhum ronrom vital.

Uma senhora ao meu lado comentou: “Essa parece comigo quando nasci.” E então riu sozinha, antes de entrar na loja e perguntar o preço de sua própria versão miniaturizada em silicone.

O Brasil, sempre criativo na sua dor, agora também embala filhas de silicone. Elas não mamam, não choram, não adoecem. Mas também não crescem. Talvez, por isso, sejam mais suportáveis do que humaninhos temperamentais.

Bebês reborn podem preencher lacunas: filhos que se foram; ou que não vieram. Outras as adotam por um tipo novo de vaidade emocional — aquele prazer de se dar sem o risco de ser rejeitado.

Não é preciso muito esforço para entender. Somos gente de ausências. De vínculos rompidos. De mães esgotadas e de idosos em silêncio. Somos gente que troca a pele real pela ilusão controlável, que se resigna ao afeto sem risco, ao amor unilateral.

Mas também há mercado — e onde há carência, logo alguém lucra. Vende-se enxoval, berço, mamadeira térmica, bolsa de passeio. Faz-se “chá de bebê” com lembrancinhas e bolo. Há quem viva de fingir que vive. E há quem olhe isso tudo e pense: “Em quem nos tornamos, ó céus?”

Mas e se esse ser que nos tornamos for o diagnóstico de um tempo? Um tempo em que cuidar se tornou um verbo solitário, e o afeto, um luxo parcelado. Talvez as reborn sejam o espelho mais honesto de uma sociedade que empurrou o afeto para o simbólico e se cercou de relações controladas, onde ninguém mais corre o risco de ser amado de verdade — só administrado. Elas não são apenas bonecas: são o retrato de um país em que até o amor virou simulacro, embalado a vácuo e vendido em suaves prestações.

Por trás das fraldas secas e limpas e dos sorrisos pintados, mora uma sociedade que evita as relações reais porque elas demandam. E doem. E frustram. E crescem. E partem. Bonecas reborn não fazem nada disso. Mas por isso mesmo, não vivem.

É tentador buscar um amor que nunca grita. Mas o que nos transforma são os amores que testam, que exigem, que vivem em movimento. O resto é falência de múltiplos órgãos existenciais.

No fim, me pergunto: será que não somos nós os bonecos? Reprogramados para amar o que não exige.

Adaptados para não crescer. Fingindo humanidade enquanto buscamos afeto em objetos que jamais poderão nos devolver o olhar.

Indiquem-me um poema, por favor.

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