Era novembro ou dezembro de 1979, quando algum gaiato grafitou uma emblemática frase no muro da Mauá, na Capital: “Deu pra ti, anos 70.” Por algum motivo, o desconhecido autor não via a hora de que ficassem para trás aqueles anos que, para mim, foram os da infância e adolescência, época de sonhos e pureza cândida. Era a época mais feroz da ditadura militar. Para os adultos mais informados poderia significar algo grave, mas um guri olha a autoridade imposta com desdém.
O meu maior medo era a meningite meningocócica. Em 1974 houve um surto nacional cujos números foram achatados pelas autoridades sanitárias do regime. As informações incompletas deixavam pais e meninos entre 11 e 13 anos nervosos com a possibilidade de contaminação pela bactéria. Estava sempre me apalpando para perceber qualquer sinal precoce de rigidez na nuca.
Foi em 1979 que a Lei da Anistia foi sancionada pelo general-presidente João Figueiredo. Os exilados políticos como Brizola e Betinho, o irmão do Henfil que havia partido em um rabo de foguete, como muitos outros, começaram a retornar para o Brasil. E o Inter foi tricampeão brasileiro. Deu pra ti, verdes anos.
Os 80 chegaram, mas não foram melhores. Chamou-se aquele período de a “década perdida”. Economia inflacionária e uma distensão lenta e gradual, como queriam os militares, fizeram tais anos soníferos se arrastarem. Só o rock brasiliense entregou alguma novidade ao cenário artístico nacional, puxando uma onda de bandas de rock Brasil afora.
Iniciamos o presente ano com dados econômicos otimistas. Seria um ano muito melhor do que fora 2019. Estamos dizendo de 2020, agora, que é o pior ano da história. Um vírus microscópico com suas pontas lembrando uma mamona assassina, virou o mundo de cabeça para baixo.
Ao contrário da meningite da minha infância, a covid-19 extermina os mais idosos. Igual ao regime militar, algumas autoridades tentam minimizar os dados e os danos.
Nunca se viu tanto medo e tantas teorias conspiratórias, tantos remédios milagrosos e tantas vacinas pesquisadas. Tudo gera desequilíbrio e aumenta o torvelinho social. Economia e política são afetadas. As pessoas adoecem de outros males, provocados pela angústia e incertezas.
São os sinais destes tempos que vivemos. Ciência e tecnologia não aquietam a alma.
Quando as médias diárias de contaminações e mortes iniciaram um processo de queda, não significou o fim anunciado da pandemia. Era o mar recuando para rebotar em um tsunami colossal.
Não se sabe se a vida retomará seu curso normal em 2021, o que o tornaria um ano melhor. Mas, por ora, deu pra ti, 2020. Nos agarraremos à esperança de que o futuro sempre será melhor. Ainda que o funk carioca tenha vencido o rock de Brasília.