Ainda estou aqui

Ainda Estou Aqui é uma adaptação cinematográfica do livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, que narra a trajetória de sua mãe, Eunice Paiva. A história mostra como a vida de uma mulher comum muda drasticamente após o desaparecimento de seu marido, Rubens Paiva, preso – e morto – pelo regime militar. Ainda Estou Aqui trata de temas como perda, coragem e resiliência. Eunice Paiva, contra todas as adversidades, de esposa e mãe atarefada com as coisas da casa, se torna uma figura importante na luta pelos direitos humanos no país. No papel de Eunice, Fernanda Torres abocanhou o Globo de Ouro de melhor atriz dramática e se prepara para abiscoitar o Oscar.


O filme brasileiro toma uma mulher cuja vida se transmutou a partir de fatos históricos – a ditadura e o terror – e que poderia ter se submetido ao silêncio e à resignação dos que perdem, mas resolveu sacudir o pó dos ombros, e resistir, e dar um novo sentido à vida.

Entretanto, é no anonimato dos que não se tornam personagens de livros e filmes que a maioria enfrentamos histórias desnorteadoras que nos roubam o chão, suspendem-nos a respiração, roubam a linearidade da vida planejada, afundam-nos em niilismo que duvida do propósito da existência. Nossas tragédias são íntimas. Não há enquadramento de câmeras reveladores de nossa angústia e tristeza profundas. Ninguém acompanhará os diálogos sofridos com nossas próprias almas.


Sempre recordo dos filmes de tragédia, muito comuns nos anos 70. Um normal e tranquilo à beira-mar. Crianças jogando, adultos bebericando e lendo seus jornais, ondas ritmicas quebrando na praia. De repente, não mais que isso, surge o monstro do fundo do mar e engole vidas. Em outro extremo, um tsunami arrasta gente para as profundezas do oceano. A vida como ela era, jamais tornará a ser. Assim, perdas como doença, acidentes graves, emprego; a partida de pais, filhos, amigos e amores, qualquer evento que transtorne nossa existência, é capaz de nos catapultar para uma outra esfera de experiências, onde podemos questionar da justiça ou injustça com a qual estamos sendo tratados.


Esse é o momento da nossa solidão: quando precisamos conversar conosco mesmos. É no isolamento que ouvimos nossos gritos e sussurros. É no fundo da caverna que não enxergamos sombras nem qualquer outra nuança de cores. Tudo é tenebroso e frio. Ali, o que se ouve é a voz da alma, as pulsações do peito, o sistema respiratório em profundos suspiros de mágoa e sofrimento.


O tempo de angústia e incertezas causado pela virada inesperada de nossas histórias é quando parece que não temos companhia que nos deseje próximos. Em verdade, nós mesmos não queremos companhia, pois estamos desesperados por nós próprios, com saudades de quem fomos, medrosos de novas perdas. A vida escapou do nosso controle e, agora, nada mais é seguro. Vertigens. Pânico.


O que aconteceu de errado? Por que não fomos avisados de que a vida não é tão previsível quanto nossas atitudes diante dela?


É da escuridão da caverna que devemos emergir. Feridos. Rotos. Amarfalhados. Porém… mais fortes. É quando todos esperam nossa capitulação ante o terível dragão que cospe labaredas, a saber, a dor, a injustiça, a rejeição, a perda, os afastamentos; é nesta hora que devemos decidir pela derrota solitária ou pelo testemunho público de que resistiremos.
É agora que saímos para o sol: ainda estou aqui. E a vida segue, transformada e vitoriosa.

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