Pingos de chuva…gotas de dor

Nunca achei que o barulho da chuva fosse tão sensível para mim. Lembro do tempo em que ouvia a água caindo e vinha uma doce vontade de ficar na cama, enroladinha. Hoje, toda vez que se fala em chuva, me vem rapidamente à memória os dias de pavor climático que vivemos em 2024.

Para quem não sabe, não lembra ou esqueceu… em maio de 2024, o estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, registrou um recorde de chuvas capazes de dizimar cidades inteiras. E os questionadores questionarão: qualquer chuva te lembra disso? Tu nem foi atingida, não perdeu nada. Faz diferença?
Então… deixa eu te contar uma história!

Sim, qualquer barulho de chuva me lembra disso. Estamos falando da maior tragédia climática do RS, sem precedentes, que deixou todo o estado em situação de calamidade pública. Onde as pessoas choram suas perdas financeiras, afetivas e de sanidade mental.

Eu não fui efetivamente atingida pela enchente, não perdi pertences pessoais. Ficamos apenas vinte e um dias sem água, o que não chega nem perto do que o estado passou. Eu não perdi nada de valor fianceiro, mas tive medo pelos meus. Fiquei ilhada na minha cidade, não pude ver a família, sofri com as perdas dos amigos, com os animais mortos e com as constantes notícias trágicas.

Acabei me dedicando ao trabalho voluntário, virtual e presencial. O tempo passou e a gente acha que as lembranças passaram, que a cabeça esqueceu. E aí… o rio enche de novo, e passo a semana acolhendo aqueles que passaram por isso e estão traumatizados, sofridos, revivendo o período trágico.

Sabemos que abrigo, roupa seca e comida são importantes, mas acolhimento, saúde psíquica e olhar a todos com a atenção de quem está revivendo sofrimento é o que vai fazer a diferença. Processos psíquicos não se apagam facilmente e retornam a qualquer percepção de perigo apontada pelo cérebro — mesmo que não seja real. Inclusive o meu está fazendo isso hoje.

Entendo que certos sons e lembranças são reais e nos deixam emotivos ou em estado de alerta. Na época, escrevi uma coluna falando o quanto as cidades pareciam estar em estado pós-guerra. Hoje venho pedir ou chamar a atenção para o desenrolar da saúde mental das pessoas neste primeiro ano depois do evento climático.

Lembrar que muitas pessoas não estão prontas para ouvir as gotas da chuva. E que é importante levar em conta essa dor, acolher esse momento e procurar ajuda especializada, se necessário.

E aquilo que eu chamo de mais empático: não tentar comparar o tamanho da dor do outro. Se o outro perdeu tudo ou não perdeu nada, precisa ser acolhido igualmente.

Outro apelo importante: a chuva e o frio estão aí. Faça doações de roupas e alimentos nos pontos de coleta. Faça a sua parte. Saravá.

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