O Brasil e outros países da América Latina estão a poucos passos de enfrentar mais um grave problema de saúde pública: o aumento da incidência e de óbitos de câncer não apenas pelo surgimento de novos casos, mas também pelo atraso no diagnóstico e no tratamento de pacientes como consequência da pandemia do Covid-19. Esta situação é previsível, vai acontecer com certeza, e para evitar um novo colapso no atendimento e todo o sofrimento associado, é preciso rever planejamentos e colocar o câncer como prioridade, preparando o sistema de saúde para o aumento inevitável na demanda. Entre as medidas sugeridas estão intensificar as estratégias de rastreamento e diagnóstico precoce de câncer pelos próximos anos.
O contorno deste novo cenário nada alentador é baseado em estudos que avaliaram o impacto da pandemia de Covid-19 no diagnóstico e tratamento do câncer. Conforme dados revisados pelo LACOG (Latin American Cooperative Oncology Group), estima-se que o controle da doença será comprometido pelos próximos 5 a 10 anos. E para piorar, o tratamento pode ficar mais caro e difícil porque os casos nos próximos anos serão de pacientes com doença mais avançada. Só para citar dois exemplos, no Brasil, houve redução de 58% a 80% de mamografias de rastreamento e de 40% de cirurgias de mama durante a pandemia. Este é um fenômeno universal, reduções semelhantes foram também documentadas em outros países em todo o mundo.
A revista britânica The Lancet Oncology publicou um trabalho no final de 2021 informando que foram 1,4 milhão de novos casos de câncer e 600 mil mortes pela doença na America Latina só em 2020. O estudo “Controle do Câncer na América Latina e Caribe: avanços recentes e oportunidades para seguir em frente” foi coordenado por Barrios com participação de um grupo de 27 médicos do Brasil, EUA, México, Chile, Colômbia, Argentina, Uruguai, Honduras, Alemanha e Panamá. A publicação destaca o atraso no diagnóstico, restrições no acesso ao sistema de saúde, isolamento social, adiamento de exames, consultas, tratamentos e cirurgias entre as principais causas do problema.
A sobrecarga no sistema de saúde, não foi privilégio do Brasil, isto aconteceu em todos os países. No entanto, a situação é mais crítica em países de renda baixa ou aqueles em desenvolvimento, como o Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, projeções indicam que após a pandemia haverá cerca de 10 mil mortes a mais somente por câncer de mama e de cólon nos próximos dez anos.
Por isso, diante dessas projeções, é fundamental preparar a população e todo sistema de saúde, público e privado, para minimizar as consequências. O que vai acontecer não deverá ser visto como uma surpresa, é algo inevitável. O câncer já é a principal causa de morte em mais de 500 municípios brasileiros e as estimativas antes da pandemia indicavam que iria superar doenças cardiovasculares e se tornar a maior causa de óbitos no país até 2030. Com o impacto do Covid-19, é possível que isso ocorra mais cedo.
Reconhecendo o problema, está mais do que na hora para estabelecer um planejamento adequado e factível. É necessária participação ativa e comprometida de governo, planos de saúde, instituições hospitalares, indústria farmacêutica, organizações de pacientes, médicos e a mídia jornalística. Muitas vidas e muito sofrimento aguardam nosso posicionamento coletivo.
Dr. Carlos Barrios,
médico oncologista e pesquisador
da Oncoclínicas RS