A solidão das estradas Argentinas

Quase cinco minutos sem cruzar por nenhum outro veículo. Sem buzinas, piscas, freadas bruscas ou qualquer outra ação comum do trânsito ao qual estamos acostumados. Tudo isso em uma reta de quilômetros e quilômetros, em planícies que nos deixavam ver a curva da Terra e com apenas um arbustinho pouco verde (baixinho, com muitos galhos e poucas folhas) a nos acompanhar. E não estamos exagerando. É pior do que tudo que já tinham nos dito.

Nos sentíamos donos do pedaço, descobridores daquela estrada. Óbvio, tinha asfalto, tinha cerca e, de vez em quando, algumas cabeças de gado, que nos lembravam que não éramos únicos ali. Mas foi assim que nos sentimos por centenas de quilômetros na Argentina.

Desde a saída de Buenos Aires, de 300 em 300 quilômetros, passávamos pela entrada de um povoado, com posto de combustível, uma borracharia e um letreiro, anunciando onde estávamos. O resto do caminho era composto por aquele cenário de rodovias infinitamente retas e esse mato raso. Ah! E mais ao Sul, lhamas. Só as víamos por causa dos pescoços grandes.

E em meio a essa paisagem inóspita, solitária e sem graça alguma caiu a ficha: estávamos cruzando o segundo país da expedição. Estávamos descobrindo como vivam aqueles “pueblos” isolados, como sobreviviam naquela terra aparentemente sem vida, como bebiam água sem sal – já que ali, às margens da Ruta 3 (Rota Nacional 3, por onde andamos quase 2 mil quilômetros), estavam há alguns pouquíssimos quilômetros da costa e a água normalmente era saloba – como se sentiam em relação aos viajantes e aos brasileiros. Estávamos, enfim, fazendo o que saímos para fazer.

Até porque, em meio ao nada, é fácil pensar, pensar e pensar mais um pouquinho. Este ambiente é propício para ouvir todas as músicas disponíveis (já que o sinal de nenhuma estação de rádio chega até lá), lembrar como a Kombi estava quando saiu e analisar as mudanças que já realizamos, quem nós éramos quando saímos de casa e as pessoas que estamos aos poucos nos transformando e, claro, concordar que começou nossa aventura de uma vez por todas.

Já bateu saudade
E em meio à solidão do deserto argentino, ela veio com tudo. Ela, a saudade. Dos campos verdinhos do Rio Grande do Sul, dos morros do nosso Vale do Caí, de casa. Nos domingos a saudade consegue ser mais forte. Nos lembra dos churrascos de verdade, não desse assado na grelha dos castelhanos, dos almoços com aquela gentarada reunida, dos nossos amigos e das nossas famílias.

Não nos arrependemos de estar aqui e morando na Kombi. Nem lembramos mais com clareza como é viver em uma casa de paredes e portas. Mas lembramos com riqueza de detalhes e sentimento como é estar pertinho das pessoas que amamos. Pra amenizar, colocamos uma música bem gaudéria, cevamos mais um mate, mandamos uma mensagem pro povo das bandas de Montenegro e encaramos mais um pouco de estrada. Seguimos!

Sem dúvidas, ficamos com o deserto
Passamos um dia em Buenos Aires, apenas. A programação era ficar quase uma semana na capital argentina. Porém, como descobrimos na marra, nosso estilo de expedição não combina bem com grandes centros urbanos, como a movimentada Buenos Aires. Muita gente, muito carro, muitas ruas em obra, muita buzina, muita impaciência e muito tudo que não fecha com o tamanho, a velocidade e mobilidade limitada da kombinha.

Por isso, decidimos adiar nossa ida a um tango legítimo da região portuária da cidade para uma oportunidade em que não estejamos com a Analuz. Pra nós, tranquilo. Estamos nos adaptando a ela e ela nos ensinando um outro jeito de viajar.

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