Espelho, espelho meu…

… existe alguém mais bela do que eu? A frase conhecida por todos pertence originalmente à obra dos irmãos Grimm, de 1812, e retrata o “alter ego”, ou, o “outro lado” da madrasta má, que inveja uma beleza idealizada e que não pode ser eternizada. A história de “Branca de Neve e os Sete Anões” já foi contada de muitas formas, bem diferentes da original, e, geralmente, não dá o devido brilho à vilã. Afinal, contos de fada têm de privilegiar a princesa, certo? O enredo costuma ser mais ou menos assim:

Em terras muito distantes, há muito tempo atrás, entre castelos, donzelas e bruxas, uma misteriosa e linda mulher que detém poderes mágicos conquista muita riqueza seduzindo e casando com o rei. Cruel, ela governa sozinha e impõem suas vontades, fazendo da sua palavra a lei. De tão vaidosa que é, possui um espelho mágico e nele observa tudo o que deseja. Contudo, ela entrega-se ao pecado da vaidade e passa a vida lhe perguntando “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”

Com algumas adaptações, essa história vem sendo recontada geração por geração. Eu mesma muito a ouvi e sempre estava disposta a folhear o livro mais uma vez. Só que, ainda na infância (e até hoje), sempre me ative mais à vilã que na mocinha dos livros e filmes a que tinha acesso. Estas, ao meu ver, são sempre personagens mais interessantes. Porque à vilã é permitido errar. Ela sempre sofre no final, é verdade. Mas reina e é dona dos próprios desejos na maior parte do tempo. Já à mocinha só permitem desmanchar-se em lágrimas para, no final, o príncipe ser seu prêmio. Oi?! A minha versão da história é mais ou menos assim:

Em terras muito distantes, há muito tempo atrás, entre castelos, guerreiras e bruxas, uma misteriosa e linda mulher que detém poderes mágicos conquista muita riqueza derrubando um rei que ousou desmerecê-la. Corajosa, ela governa sozinha e faz valer seu comando, fazendo da sua palavra a lei. De tão poderosa que é, possui um espelho mágico e nele observa tudo o que deseja. Contudo, ela permite-se a vaidade, cuida da própria beleza, olha-se refletida e afirma “Espelho, espelho meu, não, não existe ninguém mais maravilhosa do que eu!

Antes que você julgue a minha rainha como alguém prepotente, que se acha acima dos outros, pense que você não sabe o que ela passou para chegar ao seu reinado. Não sabe como o rei lhe tratou. Nem o que desejou fazer de bom aos súditos. Talvez ela fosse muito mais preparada para liderar o reino e não lhe deixavam simplesmente por ser mulher. Talvez a rainha fosse sim lindíssima na juventude e, no intuito de pintá-la com bruxa má, sua bela maturidade foi preterida em comparação àquela que tem a pela branca feito a neve.

É fácil “pintar” o vilão de uma história sem conhecer os caminhos que o levaram às suas escolhas. Certo é que, para haver uma fábula bem contada, o antagonista é tão ou mais importante quanto o protagonista. E às vezes entendê-lo vai além de julgar e rotular seus defeitos. Sim, a rainha é vaidosa e tem atitudes más. Mas ela também é inteligente, astuta e poderosa, goste Branca de Neve ou não. Talvez o real pecado da rainha tenha sido passar anos olhando-se no espelho preocupada em competir com outros ao invés de ver as próprias qualidades. Mostrava ao espelho algo que não permitia mais ninguém ver: sua insegurança. Como teria sido diferente caso soubesse, de verdade, o quão poderosa sempre foi.

Estamos passando por um momento muito difícil. Se não avaliarmos a nós mesmos com um olhar bondoso, veremos apenas a versão “bruxa má” da história e a “rainha poderosa” cairá no esquecimento, narrada como uma pobre e amargurada bruxa que deixou sua existência passar enquanto observa a juventude e a felicidade alheia. Não, né?!?!?

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