Senhores do próprio tempo

Certa vez, há muitos anos, ouvi uma pergunta que me faz refletir quase diariamente, desde então: “quem será que teve a ideia maluca de cortar o tempo em fatias e depois subdividi-las?”. Parece bobo, mas é incrível pensar em como essa divisão nos dá oportunidades únicas. Isso é realmente brilhante! Tem uma magia em podermos, a cada nova fase, recomeçar e tomar novas decisões, que às vezes são acertadas e outras nem tanto.

Eis que então, felizmente, vem outro dia! Outra fatia que nos dá uma nova chance. Assim também acontece com os meses e os anos; e nossa vida segue, subsequentemente, dividida em fatias de diferentes escalas que nos dão distintas oportunidades de sermos melhores.
Mas como toda boa invenção, tem sempre alguém querendo aprimorá-la. E, em alguns casos, esse “update” não dá tão certo assim. Em algum momento, que não sabemos exatamente quando foi, começamos a criar objetivos a serem cumpridos em cada fase. Aos 17 já temos que ter acabado o Ensino Médio, decidido uma profissão, iniciado uma faculdade e definido aquilo que nos sustentará (esperamos) pelo resto da vida. Aos 20 e poucos anos é importante ter um diploma, uma profissão estável e talvez um carro. Aos 30, COMO ASSIM, TU AINDA NÃO CASOU? E os filhos? A casa própria e os terninhos são o próprio estereótipo dos filmes americanos, no qual aquela pessoa de trinta e poucos já gerencia uma empresa tomando café da Starbucks na correria chique ao trabalho. Aos 40, 50, 60. Todas as idades têm metas muito definidas a serem cumpridas. É como se a vida fosse um “game” no qual precisamos zerar a fase para que sejamos dignos de passar à próxima.

E como consequência dessa pressão socialmente construída e alimentada pelas tias da festinha de aniversário, e satirizadas pelos tios do pavê no churrasco, a saúde mental vai se degringolando. São crises que se solidificam como marcos de expectativas não cumpridas no tempo certo. Certo pra quem? Que expectativas são essas, que tiram a saúde e a tranquilidade de um viver sereno, com um amor tranquilo (que pode, muito bem, ser o amor próprio) e realizações que não pareçam relevantes à família tradicional ou à sociedade vigilante, mas a quem as conquistou?

Felizmente a vida não é esse jogo de atos e consequências em que tudo precisa ser rigorosamente cumprido. O objetivo é ser feliz! E se pra isso você precisa largar tudo e sair pelo mundo com uma mochila nas costas, acumulando histórias loucas e vivendo momentos incomparáveis, vá. Mas se teu objetivo é casar, ter sua casa e uma família, seja feliz. E se quiser ficar só, dedicar-se à carreira e ao autoconhecimento? Cumpra-se! A meta deve ser fazer aquilo que nos faz bem.

Enquanto a roda da vida gira e as fatias do tempo vão passando, lenta ou rapidamente, o brilho no olhar deve projetar pedacinhos de felicidade vividos à sua plenitude. Nada mais deveria importar, já que, no final, quem está conosco o tempo todo, desde o primeiro até o último segundo, somos apenas nós mesmos. E a premissa da vida deve ser fazer a felicidade dessa pessoa em primeiro lugar.

E como cantou Caetano, “Quando nasce o dia, o tempo dispara. Ou será que para, pra ver o sol se levantar?” Sejamos o sol que se levanta a cada novo dia, iluminando nosso próprio amanhecer e fazendo brilhar quem está ao nosso redor. Pois, no fundo, quem manda na vida somos nós, que damos a partida a cada nova luz do alvorecer e fazemos das fatias do tempo nossas oportunidade de cumprir aqueles propósitos que nos são únicos e cheios de significados. E se nada deu certo, tudo bem. Logo vem uma outra fatia do tempo e uma nova chance de recomeço.

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