Cerca de 40 mil mortos por Covid-19 em três meses.
1.310 mulheres vítimas de feminicídio no ano passado.
75% das vítimas de homicídios são negras, segundo o IBGE.
40.721 vítimas de trânsito em 2019, segundo a Líder, administradora do seguro DPVAT.
Esses números são do Brasil. São dados alarmantes que denotam uma série de problemas estruturais do nosso país: racismo, machismo, más condições em geral, desestrutura no sistema de saúde, falta de cuidados da população e mais diversos fatores que, dia a dia, fazem vítimas na nossa sociedade. E eu não estou aqui para falar sobre esses problemas. Eles são graves sim, mas hoje o objetivo é outro: a desumanização a que estamos nos habituando com tanta naturalidade.
Sim! Os números são assustadores e é importantíssimo sabermos deles. Mas sabe o que é ainda mais assustador? Quando paramos de olhar para as vítimas como o que de fato são: seres humanos. Em algum momento nessa história, deixamos de ver as pessoas e começamos a analisar apenas os dados. Gráficos, tabelas, comparativos, números, números e números…
Mas, em cada um deles, há um filho que não voltou para casa, deixando uma mãe esperando aflita na janela; há uma mãe que nunca vai terminar de contar aquela história incrível para sua filhinha ansiosa; há um irmão que prometeu visitar a família no fim de semana; um caminhoneiro que nunca terminou sua viagem; um futuro jogador de futebol que não conseguiu marcar aquele golaço; um artista que deixou seus quadros pela metade; um pedreiro que ergueu apenas meia parede e tantas outras histórias ceifadas abruptamente, deixando para trás apenas o gosto amargo da solidão que mareja os olhos de quem ficou.
Números podem provocar insensibilidade e descaso. Todavia, quando conhecemos alguém que perdeu sua vida e deixou marcas de um futuro que nunca se concretizará, os dados parecem cruéis demais para descrever tudo o que aquela pessoa significa.
Quando se trata de vidas, cada “1” é único de tal forma que não pode ser descrito em uma unidade gráfica. Isso é raso, pouco representativo e excessivamente superficial. Olhar para uma multidão e pensar no que cada “unidade” daquelas significa para uma dezena de outras pessoas impactadas é um belo exercício para que possamos compreender como tantas mortes não deveriam ocorrer em nosso País.
Em algum momento, perdemos o fio da meada e deixamos de nos importar. E não se pode jogar toda a culpa na mídia sobre a falta de olhar empático que temos para com o próximo. Todos precisamos exercer, diariamente, o ato de nos importarmos. Isso se faz dirigindo com prudência; combatendo o racismo (de fato, e não apenas nas redes sociais); metendo a colher em briga de marido e mulher e, em período de pandemia, tomando cuidados orientados pela Organização Mundial da Saúde.
Se importar com o próximo, nesse momento, é higienizar as mãos cuidadosamente, utilizar máscara, evitar sair de casa sem necessidade e seguir todas aquelas recomendações exaustivamente repetidas. Pois não adianta botar a mão no rosto, soltar um suspiro estarrecido e clamar aos céus quando a mídia divulga mais de 40 mil mortes por Covid-19, e ir ali na vizinha tomar um chimarrão rapidinho. Sem a devida atenção, esses números assustadores podem virar um rosto conhecido. E aí, meus amigos, nenhum milhar de dados será tão grande e nenhum gráfico ficará tão apavorante quanto ver inacabada aquela história da qual fazíamos parte.