Sempre fui uma grande apreciadora de programas televisivos. Embora na infância o acesso à TV fosse regulado (obrigada, mãe, por me permitir uma infância cheia de terra e brincadeiras na rua!), eu pude assistir a muitos desenhos, séries e programas da TV aberta. Família simples, nunca tivemos os luxos dos canais por assinatura (nem sonhávamos com os – hoje tão populares – streamings nos anos 90). Mas o copo de leite, o biscoitinho e um cobertor em frente à TV nas manhãs de sábado era de lei.
Até hoje gosto de programações clássicas da televisão aberta. Acho um tanto presunçoso acreditar que há falta de cultura em apreciar programas de auditório, desenhos animados ou as produções feitas com o objetivo único de entreter. Há sim, cultura nesses programas. E eles conseguem se manter na grade por tantos anos justamente porque conversam com uma parcela importante da população que é, muitas vezes, desprezada por aqueles que se acreditam intelectualmente superiores.
Mas, passada a introdução e meu discurso sobre a existência da cultura nas produções massivas, quero falar sobre um desenho especial no meu coração: a Corrida Maluca. Sempre achei que desenhos têm um poder gigantesco de ensinar boas lições às crianças. Vampirina, por exemplo, fala muito bem sobre conviver com as diferenças; a Dora Aventureira traz pequenas lições de inglês e o Show da Luna mostra fundamentos básicos de pesquisa científica. Tudo de forma muito lúdica.
Mas a Corrida Maluca, esse desenho que fez tantas gerações torcerem para que o Dick Vigarista se desse mal, é daqueles que precisa ser visto novamente quando somos adultos. Eu o revi essa semana, entre um texto acadêmico e outro, quando estava um pouco cansada da pesquisa. E me provocou incontáveis minutos de reflexão. Mesmo que tenhamos assistido à exaustão nos saudosos sábados pela manhã, eu aconselho que você busque-o, veja ao menos um episódio e analise comigo.
O enredo gira sempre em torno de uma competição entre 10 corredores com veículos bastante estilosos. Eles cruzam o país em uma corrida muito acirrada e, durante o trajeto, Dick Vigarista, que sonha em ser o primeiro, sempre tenta passar seus competidores para trás. Ele se adianta e arma grandes emboscadas para que os adversários desviem a rota, tenham seus carros quebrados ou precisem, de alguma forma, deixar de seguir seus cursos. O vilão sempre acaba em último lugar.
Acontece que, para conseguir passar os adversários para trás, Dick Vigarista sempre tem de estar MUITO adiantado. Você entende? Ele já estava à frente de todos e acaba em último porque cai nas próprias emboscadas. Claro que o personagem sempre acaba bem adiantado porque usa atalhos questionáveis do ponto de vista competitivo – mas criar emboscadas para seus adversários também não é lá muito esportivo! A questão aqui é que ele já estava vencendo. Mas está sempre tão obcecado em destruir os demais, que fica para trás e reforça sempre seu sentimento de autodestruição. Compreende? Isso é muito transponível para a vida real!
Quantas pessoas conhecemos que, na ânsia de “se darem bem” às custas dos outros, acabam sempre se prejudicando, mesmo com infinita capacidade em ser um baita vencedor? Talvez se focassem na própria corrida, estariam cruzando a linha de chegada muito antes e não seriam os vilões da história. É sobre isso: se não puder ajudar o seu colega, ou até mesmo o adversário, apenas siga o seu caminho. Ao tentar criar emboscadas, é possível que se fique tão focado em prejudicar o outro que o “Vigarista” caia na sua própria armadilha e perca a corrida.
A outra lição é: assista a mais desenhos e não deixe sua criança interior morrer.