Não existe pouco roubo, nem muito roubo. Roubo é roubo. Entretanto, a motivação de roubo é passível de reflexão. Um pai de família que está vendo seus filhos passarem fome e rouba é diferente daquele que rouba quando já nem tem mais onde enfiar dinheiro. Uma pessoa que rouba para comprar drogas é diferente daquele que rouba para sobreviver em um ambiente sem perspectiva. Ambos continuam sendo roubo, e são condenáveis, mas a motivação é diferente. Enquanto uma é por sobrevivência, a outra é por desvio moral.
Sobrevivência sempre vai imperar. Ninguém em um estado natural de consciência quer morrer, muito menos de fome, muito menos vendo sua família em dificuldades. E, enquanto o estado não conseguir manter o básico que dê a todos as mesmas oportunidades, para muitos núcleos sociais a sobrevivência vai estar ameaçada.
Já é bem conhecida aquela frase “onde sobram vagas falta qualificação”. E sobram vagas, realmente, mas vaga não é sinônimo de emprego. Muitas pessoas se candidatam, e muitas são rejeitadas para as vagas. Falta estudo, falta desenvolvimento, o perfil não é de “acordo” e etc.
Onde o estado não consegue levar igualdade de ensino e saúde, gera populações despreparadas que não conseguem emprego, ou vivem em subempregos, abaixo da linha da miséria, enquanto o cachorrinho e o gatinho de muitos comem rações caras e vão a pets tomar banho. Veja bem, não estou julgando quem trata bem seu pet, só estou trazendo à superfície a disparidade da vida das pessoas, porque incrivelmente, tem gente que não consegue ver que existem seres humanos nesse tipo de miséria e humilhação. É uma vida, com sonhos, medos, amores, raiva, choro, desespero e esperança.
E quando o desespero é maior que todo o resto, e a perspectiva desaparece, a sobrevivência é ameaçada. E é aí que aquela pessoa, que sempre teve bom comportamento, cai no crime para conseguir sobreviver. E se torna um bandido. E, com toda a certeza do mundo, o bandido precisa ser punido; mas é inacreditável que as pessoas não consigam ver esse processo e não entendam que a maioria dos criminosos são consequências (por isso são chamados de vítimas) de um estado mal dirigido. E a ameaça da própria vida por conta da falta de perspectiva, transforma o melhor dos homens em um animal. E, acredite, nem você escaparia disso. Mesmo você que repudia qualquer violência, ia ceder ao terror da fome, da falta de perspectiva e da ameaça iminente da morte humilhante que a pobreza estrema causa.
Uma vez que o bandido existe, ele precisa ser punido, porque o sistema do estado não recupera bandido, ele só piora, ele cava mais fundo o buraco do desespero e joga fora qualquer raio de perspectiva. E, por isso é imperativo que não se permita chegar a esse estágio. Matar bandido é só puxar o gatilho, mas melhor seria se ele nunca tivesse existido. E, para isso, precisam existir políticas sociais que comecem a mudar a base de perspectiva dos que estão abaixo da linha da miséria. Precisa-se estourar as bolhas de quem vive em periferias muito pobres e não consegue nem perceber que existe um mundo inteiro de oportunidades lá fora. Precisa-se urgentemente de bons exemplos, de boas oportunidades.
Enquanto existir pelas ruas do país uma senhorinha de sessenta anos puxando um carrinho de lixo para sobreviver, você, eu, e nossos políticos, falhamos miseravelmente, não importa o que temos feito.
