Há muitos anos, quando eu morava no bairro Bela Vista, em Montenegro, eu costumava visitar um grande amigo, músico de excelência, guitarrista ímpar, chamado Alex, que morava no bairro Cinco de Maio (ainda mora por aquelas bandas). A visita era sempre dividida entre ouvir novas músicas, tocar guitarra e tomar aquele cafezão filosófico, onde discutíamos o sentido das coisas. Enfim, nada incomum.
Em uma ida dessas, na altura da esquina do corpo de bombeiros da cidade, que se dá em frente à entrada principal do cemitério, com o Sol rachando às 14h da tarde, deparo-me com uma mulher, nessa esquina, esperando para atravessar em direção à Via II. Ela devia ter por volta de uns sessenta anos, muito magra e baixa. Estávamos somente ela e eu na rua, àquela hora. E, quando passei por ela, sabe aquela sensação engraçada de que é iminente que algo vai dar errado? Pois bem, era só o que eu sentia.
– Não precisa ter medo – ela me disse, pegando-me de surpresa.
E, quando disse, virou o rosto na minha direção e me olhou diretamente nos olhos. E foi aí que meu corpo gelou por dentro. Recordo vivamente até hoje, seus olhos completamente negros, fitando os meus, como se me olhasse no fundo da alma, realmente.
Eu virei o rosto e segui meu caminho, acelerando o passo. E, ela, que estava pronta para atravessar a rua, mudou a rota e começou a vir atrás de mim, vagarosamente. Então eu passei do lado dos bombeiros para o lado do cemitério e andei mais depressa. Ela, na outra calçada, continuava me olhando. Percebia isso cada vez que espiava em sua direção.
Quando adentrei ao bairro Cinco de Maio, não mais pude vê-la. E, assim, segui correndo até a casa desse meu amigo. Porém, não recordo se contei isso para ele ou não, mas creio que sim. Estava assustado. Aquele fora um dia atípico.
Desde então, procurei descobrir quem ou o que era aquela mulher. Cada pessoa versada em sua religião, crença ou ciências ocultas, disse-me uma coisa. Cada um via aquilo pelo prisma de suas crenças ou dogmas. Não havia um consenso. Para uns era um demônio, para outros um espírito, para outros era a rainha das almas e, para alguns, só uma “tiazinha aleatória”.
A impressão que ela deixou em mim, naquele dia, era de vazio. Era como se, refletido nos olhos negros dela, não houvesse nada. Como se ela própria fosse um imenso vazio por dentro. E, mais que isso, seu olhar, a forma de falar e o sorriso sarcástico, deixavam uma sensação de maldade, de algo ruim. A única coisa que eu tenho certeza é que ela não era coisa boa, realmente. Tinha algo de sinistro naquela figura.
Felizmente nunca mais a vi (ou seria infelizmente? Se a visse novamente perguntaria mais sobre ela, talvez, pois é uma curiosidade e tanto que tenho), mas penso que passamos por figuras dessas diversas vezes na vida e não nos damos conta, pela correria do dia a dia. Quantos seres estranhos vivem entre nós, convivem conosco, e não percebemos? Que Deus nos proteja. Tenha um bom dia.