Três mulheres com caminhos, escolhas e histórias diferentes, mas um ponto em comum: o desejo de viver em um mundo onde suas existências sejam notadas e respeitadas. Entre desigualdades sociais, econômicas e políticas, elas contam qual a essência do feminino que habita em cada uma o que desejam no Dia Internacional da Mulher.
No livro “O que é lugar de fala?”, de Djamila Ribeira, há a importância de pensar numa visão mais plural de mundo. Nesse sentido, o conceito “lugar de fala” levanta uma série de questionamentos de quem tem direito à voz em uma sociedade majoritariamente branca, masculinidade e heteronormativa. É nesse contexto que as montenegrinas Fernanda Hilgert, Marina Reidel e Isabel Cristina de Souza compartilham diariamente o desafio de ser mulher.
Criada pela mãe, com quem hoje divide a vida no trabalho e em casa, atualmente Fernanda é graduanda de licenciatura em Artes Visuais, cozinheira e técnica em enfermagem. “Sou muito solícita e amo me envolver em ações sociais por mais respeito aos negros, as mulheres, a comunidade LGTB e todas as pessoas que vivem estão na margem da sociedade”, disse a estudante, ressaltando o que lhe define.
Em Brasília, a Diretora de Promoção de Direitos LGBT do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos do Governo Federal (DPLGBT), Marina Reidel, carrega consigo uma trajetória de superação. Nascida e criada na Timbaúva, hoje ela coleciona conquistas e se tornou referência às pessoas que acompanham sua história de vida. Professora de arte-ducadora e Mestra em Educação, a montenegrina foi a primeira mulher trans na gestão da política LGBT do Estado e a primeira mulher trans a concluir o Mestrado em Educação na UFRGS.
“Sou a caçula de uma família de cinco irmãos. De origem pobre, desde cedo aprendi com os meus pais que o trabalho e o caráter nos leva a atingir as metas. Sempre dediquei meu trabalho às pessoas e passei por várias experiências no campo profissional que me ensinaram muitas coisas. Também aprendi que em um mundo como o nosso, com tantos preconceitos, só os fortes vencerão e chegarão a tão sonhada utopia”, revela Marina.
No centro da cidade, a subgerente de farmácia Isabel Cristina de Souza, conta orgulhosa sobre ter conquistado espaço no mercado de trabalho e ter vencido o preconceito racial por ser uma mulher negra. “Sou empoderada, com a autoestima elevada, trabalhadora e muito amada, graças a Deus. Amo tudo que faço”, comenta Isabel.
Cada esquina, um desafio
“Os desafios que enfrento como mulher são os mesmos que, ousaria dizer, todas nós enfrentamos que é medo de estupro, assédio e enfrentar o mercado de trabalho desigual e sexista para cargos de poder”, dispara Fernanda, sobre as principais barreiras que encontra. O Brasil registrou 60.018 casos de estupro em 2017, uma média de 164 por dia. Os dados são do 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Para Isabel, seu maior obstáculo foi conseguir reconhecimento profissional e vencer o preconceito. “Naquela época quando comecei a trabalhar, foi desafiador ser aceita no comércio”, relembra Isabel. “Na minha visão como mulher negra, acredito que não devemos baixar a cabeça em situações como essa porque todos nós temos capacidade.”
No dia a dia, Marina enfrenta situações ainda mais complexas e desafiadoras. “Talvez o diferencial é ser uma mulher não reconhecida pela sociedade que ainda não nos vê e respeita por conta da identidade”, lamenta a diretora (DPLGBT).
Sem planos para maternidade e casamento
Além do desejo de viver em uma sociedade mais justa e paritária, outro aspecto que unem as três montenegrinas é a decisão de não ter planos para o casamento e maternidade. Casada durante nove anos, hoje em dia Fernanda apenas namora e não tem planos para ter filhos. “É bem tranquilo assim, já que ele mora em outra cidade e nos encontramos a cada dois dias”, disse a estudante.
Assim também acontece com Isabel e Marina. “Sou tia e contribui com a formação intelectual de todos meus 10 sobrinhos e pretendo contribuir com meus sobrinhos-netos que já são cincos. Também contribui com muitas gerações de alunos que passaram por minha vida enquanto profissional da educação desde a educação infantil, alfabetização e series finais. Acredito que isso estava no meu destino. Não está previsto no meu caminho uma família”, revela Marina.
Ser mulher requer forças
Para cada uma, mesmo com posições diferentes, o significado de ser mulher revela os motivos pelos quais elas se mantêm unidas. Para Fernanda, essa resposta está associada aos princípios feministas. “Ouvi certa vez de minha professora, Joana Burigo, de que o feminismo é a ideia radical de que mulheres são gente”, explica a estudante, acrescentando que este é um movimento social e político que tem como objetivo a libertação feminina.
Quando o assunto é liberdade, Isabel destaca a importância da vaidade com uma questão de escolha de cada uma, que pode ou não optar por seguir determinado padrão.
“Ser mulher para mim é ser como eu sou, independente da idade, sempre com autoestima elevada”, disse Isabel. “Muitas mulheres me perguntam qual o meu segredo da juventude, e eu repondo que é se amar sempre.”
Com a frase de Simone de Beauvoir – feminista francesa – “Não se nasce mulher, torna-se”, Marina explica que independente da genitália, ser mulher está relacionado ao feminino de cada uma. “O tornar-se mulher é muito simbólico no campo psicossocial e hoje há várias formas de se tornar uma”, ressalta. “Somos diversas dentro de uma diversidade, somos complexas e anatomicamente diferentes, somos capazes de realizar coisas possíveis e impossíveis com as mesmas capacidades ou até melhores que muitos homens, além disso, somos perceptivas, inteligentes e audaciosas e nos tornamos mulheres com a vida e com as conquistas”, completa Marina.