Se você é mulher e dirige, provavelmente já deve ter escutado, no trânsito, a seguinte frase: “Tinha que ser mulher mesmo”. Mas a verdade é que esse tabu de que “mulher no volante é perigo constante” está ultrapassado. O número de motoristas nas ruas é crescente, seja com o carro, caminhão, táxi ou Uber e, segundo dados do Detran do Rio Grande do Sul deste ano, os homens causam mais acidentes fatais, chegando a 77,9%, deixando para as mulheres somente 22,1%.
Claudia Aline de Oliveira Cardoso, de 37 anos, trabalha com o aplicativo do Uber, que é similar ao táxi, mas com melhor custo-benefício. Ela começou como taxista na cidade de Porto Alegre, onde era parceira de serviço de sua irmã. No entanto, após um assalto em que o carro foi levado, ficou assustada com a situação e decidiu se afastar. Depois de um mês, passou a dirigir para o Uber, no qual está há um ano e quatro meses. Claudia mora em Cachoeirinha, com a família, mas atua também na região de Montenegro.
Como a maioria das mulheres, Claudia também já foi vítima de preconceito. “Eu trabalhava muito de madrugada e, para mim, só aparece o nome do passageiro. Ao contrário dele, que consegue ver também minha foto. Por conta disso, alguns homens entravam no carro já apreensivos de que eu dirigisse mal”, explica. Durante a corrida, ficavam analisando, entre o passo a passo, se eu ia ligar o pisca. “Tem que saber dirigir na quilometragem que a via permite, sem fazer barbeiragem, senão eles reclamam”, diz.
De acordo com Claudia, alguns passageiros chegaram a perguntar se ela já foi motorista de ambulância. “No final da corrida, eles percebem que eu realmente cuido e me elogiam. Uma vez ouvi: ‘Bah, tu dirige melhor que meu pai que tem Carteira de Habilitação há 30 anos”, revela. Mãe de três filhos, ela reforça que um dos benefícios do Uber é o “tempo livre”. “Trabalhar numa empresa, de carteira assinada, não é tão bom. Procuro fazer as 10 horas por dia para render o dia e ainda me sobra tempo para dar atenção às crianças, levar à escola, preparar almoço e outras tarefas de mãe”, enfatiza.
Ao final da corrida, há um campo, no aplicativo do Uber, onde o passageiro pode avaliar o condutor com até cinco estrelas. De quase três mil clientes atendidos, Claudia aponta que 1.489 deram a nota máxima. “Ainda se pode deixar alguns recados para o condutor, dizendo se gostou ou não da forma como foi atendido e dar sugestões. Por esse meio, tem como provar que a maioria dos homens muda esse conceito de que mulher não sabe dirigir e só dá elogios ao chegar ao destino”, garante. “Deixa a gente feliz porque, apesar de no início ter tido medo, os homens, principalmente, fazem questão de dar seu parecer sobre a condução. A maior parte da minha clientela é masculina e fico contente que se sintam à vontade e seguros.”
OS NÚMEROS
Em 2017, do total de acidentes registrados pelo Detran RS, 77,9% tiveram os homens como responsáveis. E 22,1% foram provocados por mulheres
Vida na estrada: uma paixão a dois
Há 18 anos que Inês Odila Pasini da Silva, conhecida como Odila Pasini, de 70 anos, é motorista de táxi. Seu falecido esposo era profissional do volante e, por isso, ela quis ser também. Conforme a aposentada, já não tem mais preconceito, pelo menos não no horário em que trabalha. “Eu começo às 7h30min e vou até as 18 horas”, afirma.
Para ela, as mulheres hoje estão muito diferentes do que eram antigamente. “Viajam para tudo que é lado, são muito independentes, a maioria já não precisa de homem para se conduzir”. Mesmo assim, já ouviu expressões como “tinha que ser mulher mesmo”. “Muitos homens erram, fazem barbeiragem no trânsito e colocam a culpa na mulher. Dizem que ela não sabe o espaço do veículo, que não liga o pisca e freia muito em cima da hora. Mas isso já não é mais assim”, reitera a condutora.
Fabi foi influenciada pela família
“Comecei com transporte escolar, em 1994, em São José do Maratá. Também fazia linhas para a Frangosul. Minha vida se passava dentro do ônibus. Eu saía às 3h20min e trabalhava até meia-noite”, conta Fabiana Cristina Martins, motorista de van e ônibus há 22 anos. Engana-se quem pensa que mulher não gosta de pôr a mão no volante. Fabiana, diferente de muitas, tinha o sonho de ser caminhoneira. “90% da minha família dirige caminhão, por isso sempre gostei. Quando eu era conduzida por ônibus, pensava que faria daquilo a minha vida”, relembra. “Comecei com transporte escolar, em 1994, em São José do Maratá. Também fazia linhas para a Frangosul. Minha vida se passava dentro do ônibus.
Eu saía às 3h20min e trabalhava até meia-noite”, conta Fabiana Cristina Martins, motorista de van e ônibus há 22 anos. Engana-se quem pensa que mulher não gosta de pôr a mão no volante. Fabiana, diferente de muitas, tinha o sonho de ser caminhoneira. “90% da minha família dirige caminhão, por isso sempre gostei. Quando eu era conduzida por ônibus, pensava que faria daquilo a minha vida”, relembra. Preconceito existe em todos os lugares, mas ela só foi vítima uma vez: há algum tempo, um homem de idade, quando ia embarcar, disse que se a motorista fosse Fabiana ele não faria a viagem. “Eu respondi que a única opção era eu. Então ele aceitou, mas desconfiado.” Na volta, ela recebeu os parabéns e ele lhe disse que nunca havia viajado com uma mulher no comando. “Acho que por eu ter sido cuidadosa e não ter andado rápido. Mas, felizmente, nunca mais ninguém agiu dessa forma”, afirma.A pressa e o estresse, no trânsito, por parte dos outros condutores, atrapalham e podem até provocar acidentes. “Alguns pensam que o veículo vai resolver os problemas pessoais. Não conseguem esperar um minuto, não têm capacidade de ser gentis. A maioria sequer respeita os pedestres”, lamenta. Outra tarefa que até hoje causa irritação é conduzir veículos grandes, pela falta de paciência de quem tem de esperar alguns minutos. “Um ônibus é maior que um carro e tu precisa de mais tempo para fazer uma manobra. Às vezes, não temos lugar para estacionar da maneira correta, então o que se faz é ligar o pisca alerta. O motorista que vem atrás tem de saber que aquilo serve para avisar que tô parada ali por algum motivo, e não para enfeitar o carro. E muitos não têm paciência. Xingam e gritam. É complicado”.