Segmento é responsável por 64,97% do Valor Adicionado e gera empregos diretos e indiretos, alavancando outros setores
“O bom é acordar de manhã e ter um trabalho para ir”. A declaração é da industriária Maria Leci de Souza, 45 anos, que se sente feliz por ter um emprego, especialmente em um momento delicado da economia no país. E ela acorda cedo: às 5h30min, pula da cama para pegar o ônibus às 6h. Ao chegar à indústria, toma café e coloca o uniforme para começar o expediente às 7h10min.
Há 17 anos na empresa, uma agroindústria de grande porte, do ramo alimentício, Maria Leci é funcionária na linha de produção. Já passou por atividades diversas e acompanhou a evolução tecnológica que mecanizou parte do processo industrial. Seu expediente se estende até as 15h30min, com intervalo para o almoço, de segunda-feira a sábado. Após, ela retorna para a casa, no bairro Estação, em Montenegro. “Chego com a tranquilidade de ter a garantia de um salário pago certinho”, afirma.
Geradora de trabalho e renda, de forma direta e indireta, o desempenho da indústria reflete fortemente no equilíbrio econômico de Montenegro, uma vez que o setor é responsável por 64,97% do Valor Adicionado (VA). O comércio tem a segunda maior fatia, com 22,30%. “Com certeza, o emprego favorece também as vendas, pois traz junto o poder de compra, o que naturalmente reflete no consumo”, observa o secretário municipal da Fazenda, Nestor Bernardes, salientando a importância da indústria, impulsionando outros segmentos.
Os últimos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho, apontam a criação de 322 vagas na indústria de transformação, em Montenegro, de janeiro a agosto deste ano. Esse número corresponde a 35% do total de 904 postos abertos neste período.

Bernardes afirma que os cofres municipais terão um incremento de R$ 7 milhões, para 2019, na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Esse valor representa um aumento de 12% em relação ao previsto para este ano, que deve chegar a R$ 58 milhões. Sua estimativa é baseada no crescimento do Índice de Participação dos Municípios (IPM), divulgado em caráter provisório pela Receita Federal.
Neste ano, o índice é de 0,713071, colocando Montenegro na 23ª posição no ranking de retorno do ICMS. A projeção para 2019 é de 0,761818, o que representa um aumento de 6,83%. Com isso, o município será o 19º do Rio Grande a ter o maior retorno. Bernardes atribui o avanço do IPM ao crescimento da atividade industrial no município, entre os anos de 2016 e 2017, período que a Receita toma por base para calcular o índice.
“Montenegro ‘deve’ bastante à indústria”, resume Bernardes. Nessa “dívida”, ele faz referência à geração de trabalho e tudo que isso representa na vida do cidadão – mais autoestima, educação, saúde, condições de moradia e, portanto, maior qualidade de vida.
Os números
Valor Adicionadode Montenegro
Indústria: 64,97%
Comércio: 22,30%
Prod. primária: 6,01%
Serviços: 6,72%
Emprego, renda e inovação tecnológica
“A melhor forma de o poder público – seja municipal, estadual ou federal – proporcionar qualidade de vida ao cidadão é estimulando a geração de emprego e renda”, define o presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços (ACI), de Montenegro e Pareci Novo, Karl Kindel. Nesse contexto, ele observa que todas as empresas são importantes, mas salienta que a indústria tem capacidade de gerar um volume maior de vagas.

Além de proporcionar emprego, Kindel destaca o potencial desse setor em promover a inovação tecnológica, maior do que qualquer outra atividade econômica. O presidente da ACI lembra a necessidade constante de aperfeiçoamento para se manter no mercado competitivo. “A indústria sempre tem que estar inovando, se atualizando, é um segmento em que isto é mais visível se compararmos com a prestação de serviços, por exemplo”, afirma.
Kindel menciona o avanço observado na produção de veículos, telefones celulares e computadores. “Se olharmos para trás, nos últimos 10 anos, percebemos a evolução tecnológica que esses segmentos apresentaram, baseado em pesquisas de necessidade do mercado”, afirma.
Mais estrutura e menos impostos para produzir
No Rio Grande do Sul, uma queixa frequente dos empresários é a alíquota do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A taxa básica é de 17%, superior a de outros estados, tornando a produção gaúcha menos competitivo. “Uma atividade só se torna interessante se for viável financeiramente. O empreender quer ganhar dinheiro, mas a atividade dele só terá resultado se for competitiva no mercado”, analisa Kindel.
O dirigente acrescenta que, com uma tributação muito elevada, não há como concorrer com indústrias em estados onde o tributo é inferior. “Então, eles (os empresários) fazem essa conta e acabam transferindo a sua atividade para outro estado que tenha uma política mais bem definida, que tenha alguns incentivos”, alerta.
Kindel cita ainda outros aspectos importantes para viabilizar o desenvolvimento industrial. Ele menciona a necessidade de infraestrutura, o que requer estradas em boas condições para escoar a produção e garantir o deslocamento de funcionários com segurança, além de facilidade de acesso a aeroporto e ferrovias. Nesse aspecto, o presidente da ACI percebe lacunas, não só em Montenegro como em outras cidades do Estado e do País. “O Brasil não investiu em infraestrutura e isso também acaba atravancando a produção industrial, porque dificulta e torna mais caro o escoamento da nossa produção”, analisa.
Kindel diz que falta política de incentivo à atração de novas indústrias
Outro aspecto que reforça a importância da indústria é o reflexo na economia pela geração de impostos, diretos e indiretos, na cadeia produtiva. Nesse cenário, Karl Kindel defende maior fomento ao setor. Na sua avaliação, falta uma política de incentivo para atrair indústrias a Montenegro. Ele salienta que há uma área destinada a esse segmento – o Distrito Industrial, mas não percebe empresas ocupando esse espaço. “Então me parece que não existe uma política definida, pela administração pública, para incentivar a vinda de novas empresas”, opina.
Embora exista a lei de incentivos fiscais, prevendo benefícios como a redução de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e isenção de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), por um período, ele os considera insuficientes. “Isso é uma parte, mas se você não transforma isso (em ação), não vai atrás de empresas, não define uma política de incentivos, não vai acontecer. E a gente não percebe esse movimento da administração pública nesse sentido”, acrescenta. Para ele, a existência de uma política requer maior clareza para as empresas saberem com quem tratar no município, e serem recebidas por quem sabe conduzir o processo, de forma mais bem definida e objetiva.

Estímulo aos pequenos e médios para gerar empregos e renda
Com base em dados do Ministério do Trabalho, o secretário municipal da Indústria, Comércio e Turismo (Smic), Elias Silva da Rosa, afirma que 10 grandes empresas concentram cerca de 25% dos empregos formais de Montenegro. Dessas, nove são indústrias. Além de reforçar a importância desse segmento na economia do município, o titular da Smic observa a necessidade de estimular o crescimento das pequenas e médias.
“Precisamos criar um ambiente mais positivo para que essas de pequeno e médio porte possam crescer, gerar novos postos de trabalho e renda”, afirma. Nesse contexto, ele cita a importância do Centro Integrado de Treinamento (CIT) que será inaugurado no Distrito Industrial, qualificando a mão de obra. Silva da Rosa explica que o imóvel foi construído pela Hexion, dentro das negociações com o Estado, na ocasião da compra da área da fábrica no Distrito Industrial. O secretário esclarece que o CIT atenderá não só as necessidades das empresas próximas, mas de qualquer outra que tenha interesse em qualificação profissional.
O prédio está pronto para ser repassado pelo Estado ao Município após o período eleitoral. O titular da Smic antecipa que a proposta é criar um comitê para gerir o CIT, com a participação de representantes da Prefeitura, Fiergs – através do Senai e Sesi – e pelo Comitê de Fomento Industrial do Polo Petroquímico de Triunfo e Distrito Industrial de Montenegro (Cofip). “Que seja um espaço sustentável, sem necessidade de o poder público injetar recursos para o custeio, mas que seja mantido através dos cursos ali ministrados”, afirma.
Ação silenciosa da Smic
“Estamos trabalhando, desde o ano passado, em conjunto com o Cofip, para que se possa desenvolver ações com viés para aumentar a competitividade de Montenegro”, afirma o titular da Smic, Elias Silva da Rosa. Ele acrescenta que apenas 40% do Distrito Industrial está ocupado e a secretaria tem trabalhado no sentido de atrair novos empreendimentos, mas faz isso de forma silenciosa. “No momento em que a gente está captando, acabamos não divulgando, mas a gente tem trabalhado arduamente para atrair novos investimentos”, reforça.
O secretário salienta que Montenegro está bem servido no que se refere à logística, observando que o Distrito Industrial está muito próximo à BR-386, com fácil acesso a grandes centros e para escoar a produção. Além disso, acrescenta que o trabalho da Smic inclui o mapeamento de áreas disponíveis ao longo da RS-124, as quais os proprietários têm interesse em comercializar. “A gente tem trabalhado para criar um ambiente positivo para novos investimentos”, frisa.
Ele reafirma a opção por um trabalho silencioso, divulgando apenas quando já exista um interesse real da empresa. Essa estratégia leva em consideração a disputa com outros municípios. “A gente sabe que estamos em um ambiente com forte concorrência, as cidades do entorno são competitivas, mas acho que temos importantes vantagens para brigar no mercado por novos investimentos”, afirma.
Elias observa a aposta no Distrito Industrial pela disponibilidade de espaço, mas afirma que o trabalho é para médio e longo prazos. Ele antecipa que, nos próximos meses, será realizada a revitalização da sinalização nas vias.
Aipim se transforma na agroindústria
A produção de aipim, na localidade de Campo do Meio, interior de Montenegro, garante a matéria-prima para a agroindústria familiar conduzida por Ana Cristina de Mello dos Santos, 44 anos. A pequena empresa produz biju, bolachas, rosquinhas, broas, salgadinhos, pães, entre outros artigos semelhantes. “Só usamos polvilho e farinha de aipim”, afirma Ana Cristina toca o negócio com auxílio de duas pessoas da família e os produtos são comercializados na Casa do Produtor Rural, em alguns supermercados, padarias e na Feira de Artesanato e Produtos Coloniais, na Praça Rui Barbosa. “Meus pais já trabalhavam com o aipim, mas fazendo só biju”, recorda. Ela os auxiliava e, há cerca de 10 anos, decidiu investir, ampliando a produção, juntamente com uma sócia.

O negócio começou na informalidade e, há cerca de cinco anos, foi legalizado. Ana afirma que formalizar a atividade abriu portas, oportunizando o crescimento. Ela salienta que seus produtos não poderiam estar nos pontos de vendas onde se encontram hoje sem a legalização. “E eu também forneço bolacha e saldinhos de polvilho para a merenda escolar”, acrescenta.
Ana faz questão de mencionar o apoio recebido da Emater, Sindicato Rural, e Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural, tanto na formalização da agroindústria como na conquista de novos pontos de vendas. Nesse ano, ela comemora a primeira participação na Expointer. “Foi muito bom”, afirma. A feira serve como ponto de venda e vitrine para novos negócios.
“A indústria é boa para quem trabalha e para o município, pois gera impostos”, resume Ana. As agroindústrias localizadas no interior auxiliam também no combate ao êxodo rural, pois agregam valor aos produtos cultivados no campo, além de serem uma alternativa de trabalho.
Sonhos de vida realizados através do trabalho diário
Em frente à casa de alvenaria ampla que garante conforto à família, no bairro Estação, em Montenegro, a industriária Maria Leci de Souza faz uma rápida viagem no tempo, e observa que o trabalho é fundamental, porque lhe proporciona condições de realizar sonhos. Sua vida como trabalhadora iniciou ainda na infância. “Com sete anos, eu já ajudava meus pais na lavoura”, recorda Maria Leci. Por isso, ela deixou a escola cedo, antes de concluir o quarto ano do Ensino Fundamental, quando morava na localidade de Costa da Serra.

A carteira de trabalho foi assinada quando tinha apenas 12 anos e era funcionária de um fábrica de calçados. Na idade adulta, trabalhou também como doméstica. “E, naquele tempo, ainda não tinha os direitos como nas outras profissões”, recorda. Há 17 anos, Maria Leci está na mesma empresa, uma agroindústria de grande porte, e sente-se orgulhosa com tudo que aprendeu trabalhando. “Meu trabalho é tudo”, afirma. “Hoje temos uma casa boa, carro e moto, e meu salário ajudou muito para conseguirmos tudo isso”, afirma.
Sua filha é exemplo do emprego indireto gerado pela indústria. Ingrid Martins, 21 anos, é funcionária de uma empresa que presta serviços terceirizados e atua como auxiliar de serviços gerais em outra agroindústria. “É ótimo trabalhar, porque tendo um salário a gente se sente mais segura e tranquila”, afirma. Casada e com um filho de quatro anos para criar, Ingrid afirma que sua renda faz diferença no orçamento da família.